
COMO AS REDES SOCIAIS ESTÃO ARRUINANDO A COMÉDIA
O advento das redes sociais, inquestionavelmente, é positivo: elas exploram o potencial da internet em conectar indivíduos, especialmente, sob uma causa comum (vide os recentes movimentos sociopolíticos); democratizam a informação, dissolvendo o isolamento cultural; e estimulam criadores, ao dar uma plataforma na qual eles possam expressar seus pensamentos e vozes. Porém, as redes sociais escondem uma faceta, digamos, um tanto quanto preocupante: elas nos moldam.
Antes de mais nada, preciso dizer: eu compreendo que, dentre muitas coisas, as redes sociais são, principalmente, uma vitrine. Um espaço onde artistas podem difundir, divulgar e fortalecer seus projetos. Logo, o objetivo desse texto não é criticar essas novas dinâmicas, mas discutir como as redes sociais transformaram — de uma maneira negativa — como o público e os comediantes se relacionam com a comédia, ou a ideia de comédia.
Recentemente, eu li um estudo publicado pela Universidade de Stanford que revelava que as redes sociais estão deixando as pessoas mais tristes, ou evocando um sentimento de tristeza. Parte do problema é atribuído ao desequilíbrio de emoções excessivamente positivas que circulam nesses espaços. Ao postarem apenas detalhes positivos de suas vidas, as pessoas criam uma ilusão, de que todos ao seu redor parecem levar uma vida perfeitamente feliz. A implicação disso não poderia ser pior. As emoções negativas tornam-se indesejáveis, injustificadas e, ao serem expressas, não encontram nenhum apoio, ao contrário, são imediatamente cessadas. A consequência disso é que ao sentir tristeza, o indivíduo abafa essas emoções, afinal, todos estão bem, logo, você também deveria. Isso faz com que as pessoas deixem de experimentar emoções reais e, pior, cria uma necessidade extrema de aceitação pessoal. Ao invés de construirmos conexões profundamente sentidas, buscamos por likes, pensando sempre na quantidade e não na qualidade, apenas para nos sentirmos parte de algo. Um loop de autopromoção sem fim. Usamos as redes sociais para nos definir, compartilhando pensamentos e sentimentos (mesmo que não vivenciados). Você precisa postar uma foto feliz no Instagram fazendo alguma atividade, você tem que publicar um pensamento no Twitter, você deveria interagir em um post do Facebook; ainda que não exista motivação alguma para isso. E aqui reside minha preocupação enquanto humorista: as redes sociais, por essas razões, se tornaram aos poucos uma inimiga da comédia enquanto forma de arte.
A comédia pode ser definida de muitas maneiras, mas é unânime a todos os filósofos e pensadores: o riso cria uma intimidade que nenhuma outra coisa cria. Logo, humor é conexão. O sentimento de identificação ao ouvirmos uma piada nasce ao percebermos que não fomos os únicos que vivenciaram ou reconheceram uma determinada situação.
Uma das coisas que me fez refletir sobre essa relação comédia vs. redes sociais foi o YouTube. Milhares de canais são criados todos os anos cujo o objetivo é fazer rir. O próprio stand-up comedy, segmento do qual faço parte, é um ótimo exemplo. É visível a quantidade de humoristas dentro da plataforma. No entanto, evidentemente, o problema, ao meu ver, não é a quantidade de canais, mas a que fim se destinam a criação desses conteúdos. Dentro do YouTube, o que se pode ver é a necessidade da “publicação pela publicação”, onde o objetivo não é desenvolver um material cômico de qualidade, mas marcar presença. Piadas que param na primeira ideia, mas que estão lá, como a foto feliz no Instagram.
A comédia, nas redes sociais, se tornou um reflexo das emoções. Uma experiência estéril e descartável. Isso não é apenas uma discussão do campo social, mas cultural. Culturalmente, a comédia está se tornando estéril e descartável. Há alguns meses, na cena de comédia brasileira, houve uma espécie de boom com noites de humor negro em várias cidades, um subgênero de comédia. A iniciativa deveria ser motivação de comemoração, já que a comédia, como qualquer outra forma de arte, deveria explorar com afinco suas nuances, indo o mais longe possível e derrubando barreiras. Porém, olhando mais de perto, o motivo desse estopim, infelizmente, é outro: audiência. Um comediante postou um material com piadas de humor negro que viralizou, logo, todos devem seguir o mesmo caminho. Não existe nenhum interesse genuíno em explorar artisticamente essa faceta, somente uma busca por angariamento de público e criando, consequentemente, um refúgio para a mediocridade.
Há alguns meses, tive a oportunidade de observar isso de perto. Eu não fazia stand-up comedy há uns dois anos, então, esse ano, resolvi voltar com um espetáculo novo. Contudo, pude observar que, em praticamente todas as publicações de divulgação do show, as pessoas perguntam exatamente a mesma coisa: “Quando você vai postar?”. Em uma conversa com Léo Ferreira, um amigo de profissional, comentei sobre esse comportamento, no mínimo, esquisito, ao passo que ele demonstrou a mesma preocupação, dizendo como não é saudável essa fome por conteúdo. E ainda que saudável ou não, isso é preocupante, ou, pelo menos, triste. Porque ao se relacionar dessa forma, o público que consome comédia nunca irá se envolver profundamente com o material. É apenas mais um vídeo do dia e, amanhã, ele precisará de mais, criando assim um ciclo repleto de apatia.
As redes sociais que, a princípio, conectavam, ironicamente, hoje, dividem. As tensões políticas nunca foram tão fervorosas, as relações humanas nunca foram tão irrelevantes e a comédia nunca foi percebida com tanta superficialidade. Isso não está apenas tornando o ser humano mais solitário, como sugere a Universidade de Stanford, mas, ao meu ver, mais sem graça. Uma vez que o humor é conexão, ação e reação, em um mundo desconectado e impessoal, o público é desprovido da peça fundamental para vivenciar uma experiência cômica genuína. Qualquer coisa serve, desde que venha logo.
Texto escrito por Daniel Duncan
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